Número elevado de casos e mortes da doença neste verão traz de volta o temor de uma epidemia urbana no Brasil
MARCOS PIVETTA | MARÇO 2017
No século XXI, o avanço da globalização de pessoas e de mercadorias, o desmatamento e a erosão das fronteiras entre a zona rural e a urbana e a presença de grandes contingentes populacionais não imunizados parecem ter criado um ambiente favorável para o recrudescimento de epidemias de febre amarela. Até recentemente, a doença, que tem uma vacina eficiente desde os anos 1930, era vista como sob controle ou restrita a regiões endêmicas dos dois continentes em que ocorre, a porção subsaariana da África, uma das áreas mais pobres do mundo, e rincões da América do Sul, geralmente as calhas dos rios Amazonas e Orinoco, ou o Centro-Oeste do Brasil. A eclosão de epidemias recentes dos dois lados do Atlântico trouxe de volta a febre amarela ao debate internacional sobre saúde pública.
Na África, que concentra 90% das estimadas 200 mil ocorrências anuais da doença no mundo, a última epidemia se deu no ano passado em Angola, na República Democrática do Congo (antigo Zaire) e, em menor escala, em Uganda. Houve mais de 7.300 casos, suspeitos ou confirmados, e cerca de 400 mortes nos três países. Mais de uma dezena de imigrantes chineses que trabalhavam na África foi exposta ao vírus e apresentou sintomas de febre amarela ao retornar para a Ásia, continente sem histórico da doença e com bilhões de pessoas nunca imunizadas. Agora o foco de preocupação é o Brasil, o maior produtor da vacina. Entre dezembro de 2016 e fevereiro deste ano, foram confirmados 326 casos e 109 óbitos causados pela febre amarela (92 em Minas Gerais, 14 no Espírito Santo e três em São Paulo). Outros 916 casos e 105 mortes estão sendo investigados se também foram provocados pela doença.
Minas Gerais, onde a vacinação contra a enfermidade é recomendada há mais de uma década, concentra mais de 80% dos casos e das mortes. “O surto atual apresenta características semelhantes aos anteriores, com exceção do grande número de casos”, comenta o vice-diretor de pesquisas do Centro de Pesquisas René Rachou (Fiocruz Minas), Carlos Eduardo Calzavara. Em 2003, houve 58 casos e 21 mortes no estado e, em 2001, 32 ocorrências confirmadas e 16 óbitos. “É possível que a baixa cobertura vacinal em determinadas regiões do estado tenha tido grande influência em sua ocorrência, mas isso requer confirmação experimental.” Dados da Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais indicam que, em média, apenas um de cada dois habitantes do estado tinha sido vacinado antes da eclosão da atual epidemia. A dificuldade de acesso a áreas rurais e a falta de interesse da população em receber o imunizante seriam as causas principais da baixa cobertura. Para evitar epidemias, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que pelo menos 90% da população em áreas de risco seja vacinada.
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